quarta-feira, 18 de junho de 2008

MORADOR DE RUA SIM, MENDIGO NÃO


Hoje amanheci filosofando, sonhei com os anarquistas, vesti minha armadura de marxista e embarquei na dura realidade burguesa.
Pensei na minha gente que vive nas ruas, como, por exemplo, o meu simpatizante “MARACUJÁ”, aquele simpático morador de rua, que vive o ano inteiro em traje de praia no Caís dos Pescadores.
MARACUJÁ, ao contrário do que muitos pensam, não é um mendigo. Ele não vive levantando a palma da mão para ganhar parcos trocados; ante pelo contrário, ele fez o que muitos escravos do sistema sonham em fazer: viver em plena liberdade, sem compromisso nenhum com o capitalismo e sem receber ordem de ninguém.
MARACUJÁ é uma espécie de anarquista ao natural, sem qualquer fundamentação filosófica ou embasamento ideológico; ao contrario do mendigo que na realidade é uma espécie de exemplo burguês para todos os pobres, pelo menos na concepção capitalista ao que diz respeito a submissão e a resignação de toda a classe trabalhadora pobre.
Para melhor entendermos, seres como MARACUJÁ, leiam abaixo:


Ao largo da alegre avenida vão e vêm os transeuntes, homens e mulheres, perfumados, elegantes, insultantes. Junto a um muro está o mendigo, a mão pedinte adiantada, nos lábios trêmulos a súplica servil.
- Uma esmola, pelo amor de Deus!
De vez em quando cai uma moeda na mão do pedinte, que este mete rapidamente no bolso emitindo louvores e reconhecimentos degradantes. O ladrão passa, e não pode evitar o olhar de desprezo sobre o mendigo. O pedinte se indigna, porque também a indignação tem pudor, e refuta irritado:
- Não tem vergonha, vadio, de se ver frente a frente a um homem honrado como eu? Eu respeito a lei: não cometo o crime de meter a mão no bolso alheio. Meus passos são firmes, como os de um bom cidadão que não tem o costume de caminhar nas pontas do pés, no silêncio da noite, por habitações alheias. Posso apresentar o rosto em todas as partes; não recuso o olhar de um policial; o rico me vê com benevolência e, ao largar uma moeda em meu chapéu, bate em meu ombro dizendo-me, "bom homem!".
O ladrão abaixa a aba do chapéu até o nariz, faz um gesto de nojo, observa em seu redor, e replica ao mendigo:
- Não espere que eu me envergonhe em frente a ti, vil mendigo! Honrado tu? A honra não vive de joelhos esperando arrastar o osso que haveria de roer. A honradez é altiva por excelência. Não sei se sou honrado ou não; mas te confesso que tenho vergonha na cara para suplicar ao rico que me dê, pelo amor de Deus, uma migalha da qual me despojou. Violei a lei? Isto é certo; mas a lei é coisa muito distinta da justiça. Violo a lei escrita pelo burguês, e essa violação contém em si um ato de justiça, porque a lei autoriza o roubo em prejuízo do pobre; isto é uma injustiça; e quando arrebato ao rico parte do que roubou dos pobres, executo um ato de justiça. O rico te bate o ombro porque teu servilismo, tua baixeza abjeta, a ele garantirá o desfrute tranqüilo daquilo do que a ti, a mim, e a todos os pobres do mundo nos tem roubado. O ideal do rico é que todos os pobres tenhamos alma de mendigo. Se fosses homem, morderias a mão do rico que te lança restos de pão. Eu te desprezo!
O ladrão cospe e se perde na multidão. O mendigo alça os olhos ao céu e geme: - Uma esmolinha, pelo amor de Deus!!!
Ricardo Flores Magón.

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