segunda-feira, 9 de junho de 2008

ENFIM UM DELEGADO HUMANISTA


A partir do estudo crítico da criminologia e da experiência prática de sua profissão, o delegado de Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro Orlando Zaccone desconstrói a idéia do traficante perigoso, violento, considerado o inimigo público número 01 da sociedade. Em seu livro lançado recentemente sob o titulo de “Acionista do nada - quem são os traficantes”, ele mostra que existe uma seletividade na pena: os bandidos pobres são presos e estigmatizados, enquanto os bandidos de classe média ou ricos são autuados como consumidores e não ficam detidos.
Assim, o estudo de Zaccone contribui para derrubar o mito de que o problema da criminalidade seria resolvido com a redução da maioridade penal ou a partir da existência de penas mais duras.
No livro, Zaccone também chama a atenção para os verdadeiros traficantes, que operam internacionalmente e não vivem em favelas; não combatem a polícia de chinelos, bermudas e sem camisa, mas, sim, usam gravatas são donos de bilhões de dólares e são reverenciados pela sociedade.
O delegado, tem um aguçado poder crítico, desmistificando o senso comum produzido pela mídia.
Segue abaixo um trecho do livro do delegado Orlando Zaccone:
O Fundo Monetário Internacional calcula que o chamado crime organizado movimenta, por ano, 750 bilhões de dólares, sendo que 500 bilhões de dólares são gerados pelo "narcotráfico". No comando deste grande negócio é identificada, em seu aspecto político e legal, a figura do "narcotraficante", cujo estereótipo, construído pelo discurso oficial e divulgado pela mídia, aponta para o protótipo do criminoso organizado, violento, poderoso e enriquecido através da circulação ilegal desta mercadoria, conhecida em nossa legislação, outrora, como "entorpecente" e hoje, genericamente, como "droga".
Toda atual política de repressão ao comércio de drogas ilícitas está voltada a combater este "inimigo" da sociedade que, já no final dos anos noventa, representava em torno de 60 % da população carcerária no estado do Rio de Janeiro, segundo um dos últimos anuários estatísticos.
Como delegado de polícia, atuando há pouco mais de seis anos na capital, acabei por encontrar uma realidade diversa daquela que nos é apresentada, diariamente, enquanto "verdade". Os criminosos autuados e presos pela conduta descrita como tráfico de drogas são constituídos por homens e mulheres extremamente pobres, com baixa escolaridade e, na grande maioria dos casos, detidos com drogas sem portar nenhuma arma. Desprovidos do apoio de qualquer "organização", surgem, rotineiramente, nos distritos policiais, os "narcotraficantes" que superlotam os presídios e casas de detenção.
O sistema penal revela assim o estado de miserabilidade dos varejistas das drogas ilícitas, conhecidos como "esticas", "mulas", "aviões", ou seja, aqueles jovens (e até idosos) pobres das favelas e periferias cariocas, responsáveis pela venda de drogas no varejo, alvos fáceis da repressão policial por não apresentarem nenhuma resistência aos comandos de prisão.
O fato da imprensa e das autoridades públicas darem grande destaque às prisões dos chamados "chefões" do tráfico, dedicando as primeiras páginas dos jornais e muitos esforços à captura dos "donos" do negócio relativo ao comércio de drogas, demonstra, por si só, a existência de um escalonamento. De um lado "grandes" traficantes, como Fernandinho Beira Mar, e pouco mais de uma dezena de nomes considerados delinqüentes de alta periculosidade, para os quais são reservadas algumas celas nos presídios de segurança máxima; do outro, milhares de "fogueteiros", "endoladores" e "esticas" que, junto dos "soldados" - única categoria armada e responsável pela segurança do negócio - assemelha-se mais à estrutura de uma empresa do que a de um exército, lotando as carceragens do estado.
(...)
Para além da função de reprimir a circulação destas substâncias, o sistema penal exercita um poder de vigilância disciplinar, de uso cotidiano, nas áreas carentes, seja restringindo a liberdade de ir e vir naquelas comunidades, através das prisões para averiguação, ou restringindo reuniões e o próprio lazer das pessoas, como na proibição dos "bailes funks", que a pretexto de reprimir a "apologia ao narcotráfico", traduz o poder de controle exercido sobre as populações pobres. Não é por menos que a historiadora Gizlene Neder, citada pela criminóloga Vera Malaguti Batista, conclui: "a eficácia das instituições de controle social se funda na capacidade de intimidação que estas são capazes de exercer sobre as classes subalternas".

É muito bom saber que existem intelectuais do quilate do Doutor Orlando Zaccone dentro da polícia do Rio!

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