quarta-feira, 21 de março de 2012

SUPREMO LIBERTOU JOSÉ RAINHA



A primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF), tendo como relator o Ministro Marco Aurélio Mello, acaba de acolher pedido de habeas corpus em favor do companheiro de luta José Rainha Jr., líder nacional sem-terra. Rainha estava preso junto com outros dois dirigentes da luta pela democratização da terra há nove meses.

O habeas corpus nº111.836/SP foi impetrado contra a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que manteve a prisão de José Rainha, Claudemir Silva Novais e Antônio Carlos dos Santos, decretada pela Justiça Federal de Presidente Prudente/SP, em 16 de junho de 2011.

Em defesa da liberdade de José Rainha e dos outros dois trabalhadores presos, os advogados Juvelino José Strozake, Aton Fon Filho e Giane Álvares Ambrósio Álvares alegaram perante o STF que o juiz federal Joaquim Eurípedes Alves Pinto, da 5ª Vara Federal de Presidente Prudente, valeu-se de fundamentação jurídica inidônea e descontextualizada de substrato fático e jurídico a respaldar a prisão preventiva decretada para garantia da instrução processual penal e da ordem pública.
Ademais da falta de fundamentação e motivação válidas para a prisão, os advogados alegaram que houve constrangimento ilegal perpetrado contra os trabalhadores rurais.

Com a decisão do STF, os três trabalhadores rurais poderão responder ao restante do processo em liberdade.
Ainda bem que temos o Supremo Tribunal Federal, que zela pelas garantias individuais estampadas em clausula suma pétrea da nossa Carta Magna.

terça-feira, 20 de março de 2012

MARX VIVO E ATUAL


O artigo abaixo, escrito pelo cientista político argentino Atilio Boron, é uma constatação de que por mais que se tente negar o pensamento de Karl Marx; a história, com as próprias leis que Marx desvendou, nos demonstra que o magnífico filósofo barbudo tem razão.

Por Atilio A. Boron.

Num dia 14 de março, há 129 anos, morria placidamente em Londres, aos 65 anos de idade, Karl Marx.
Teve a mesma sorte de todos os grandes gênios, sempre incompreendidos pela mediocridade reinante e o pensamento acorrentado ao poder e às classes dominantes.
Como Copérnico, Galileo, Servet, Darwin, Einstein e Freud, para mencionar apenas uns poucos, Marx foi insultado, perseguido e humilhado. Foi ridicularizado por medíocres intelectuais e burocratas acadêmicos que não chegavam aos seus tornozelos, e por políticos complacentes com os poderosos de turno, que repugnavam suas concepções.
A academia teve muito cuidado ao fechar suas portas. Nem ele e nem seus amigo e colega eminente, Friedrich Engels, jamais ascenderam aos claustros universitários.
E mais, Engels, sobre quem Marx disse ser “o home mais culto da Europa”, nem sequer estudou na universidade.
Entretanto, Marx e Engels produziram uma autêntica revolução copernicana nas humanidades e nas ciências sociais: depois deles, e ainda que seja difícil separar sua obra, podemos dizer que depois de Marx, nem as humanidades e nem as ciências sociais voltariam a ser com antes.
A amplitude enciclopédica de seus conhecimentos, a profundidade duas análises, sua empenhada busca pelas evidências que confirmassem suas teorias, fizeram com que Marx, que teve suas teorias e seu legado filosófico dado como mortos tantas vezes, seja mais atual que nunca.
O mundo de hoje se parece da maneira surpreendente ao que ele e seu jovem amigo Engels prognosticaram num texto assombroso: O Manifesto Comunista.
Este sórdido mundo de oligopólios vorazes e predadores, de guerras de conquista, degradação da natureza e saque dos bens comuns, de desintegração social, de sociedades polarizadas e de nações separadas por abismos de riqueza, poder e tecnologia, de plutocracias travestidas para aparentar ser democracias, de uniformização cultural pautada pelo American way of life é o mundo que antecipara em todos os seus escritos.
Por isso, são muitos os que se perguntam, já nos estados com capitalismo desenvolvido, se o século XXI não será o século de Marx.
Respondo a essa pergunta com um sim sem atenuantes e digo que já estamos vendo isso: as revoluções em marcha no mundo árabe, as mobilizações dos indignados na Europa, a potência plebéia dos islandeses ao enfrentar e derrotar os banqueiros e as lutas dos gregos contra os sádicos burocratas da Comissão Européia, o FMI e o Banco Central europeu, o barril de pólvora dos movimentos Occupy Wall Street, que abarcou mais de cem cidades norte-americanas, as grandes lutas que na América Latina derrotaram a ALCA e a subserviência dos governos de esquerda na região, começando pelo heróico exemplo cubano, são outras mostras de que o legado do grande maestro está mais vivo que nunca.
O caráter decisivo da acumulação capitalista, estudada como nenhum outro n’ O Capital, era negada por todo o pensamento da burguesia e pelos governos dessa classe, que afirmavam que a história era movida pela paixão dos grandes homens, pelas crenças religiosas, pelos resultados de heróicas batalhas ou imprevistas contingências da história.
Marx retirou a economia das catacumbas e não só assinalou sua centralidade como também demonstrou que toda a economia é política, que nenhuma decisão econômica está despojada de conotações políticas.
Além disso, Marx defendeu que não existe saber mais político e politizado que o da economia, discordando com os tecnocratas de ontem e de hoje, que sustentam que seus planos de ajustes e suas absurdas elucubrações economicistas obedecem a meros cálculos técnicos e que são politicamente neutros.
Hoje, ninguém mais acredita seriamente nessas balelas, nem sequer os personagens da direita (ainda que se abstenham de confessá-lo).
Poderia ser dito, provocando um sorriso malicioso de Marx do além, que hoje são todos marxistas, porém o Monsieur Jordan, esse personagem de Les bourgeois gentilhomme, de Molière, falaria em prosa em saber.
Por isso, quando estourou a nova crise geral do capitalismo, todos correram para comprar O Capital, começando pelos governantes dos capitalismos metropolitanos.
É que a coisa era, e é, muito grave para perder tempo lendo as bobeiras de Milton Friedman, Friedrich von Hayek ou as monumentais sandices dos economistas do FMI, do Banco Mundial ou do Banco Central Europeu, tão inaptos como corruptos e, que por ambas as coisas, não foram capazes de prognosticar a crise que, como um tsunami, está arrasando os capitalismos metropolitanos.
Dessa forma, por méritos próprios e por questões externas, Marx está mais vivo que nunca e o faro de seu pensamento arroja uma luz cada vez mais esclarecedora sobre as tenebrosas realidades do mundo atual.

terça-feira, 13 de março de 2012

PARA ARREFECER UM POUCO MEU ATEÍSMO


Darcy Ribeiro (pensador, sociólogo, antropólogo, militante dos direitos humanos, escritor...) em testamento pediu que seu corpo fosse encomendado por Frei Betto e Frei Leonardo Boff. Frei Betto não pode estar na ocasião de modo que somente Leonardo Boff (frei, teólogo, filósofo, excomungado da igreja católica pelo atual papa, escritor, militante dos direitos humanos...) esteve com ele em suas últimas horas. Leonardo Boff narra esses últimos momentos dele com Darcy:

Darcy - "Quero discutir com você o tema da morte, porque estou enfrentando a morte, meu grande último desafio."

Em seguida faz Boff ler o prefácio do, então inédito, Confissões, livro no qual Darcy faz uma leitura da vida. E Boff leu o seguinte:
"Pena que a vida , tão carregada de lutas e fracassos, e vitórias, e vontade de trabalhar, seja marcada por uma profunda desesperança, porque nós voltamos, através da morte, ao pó cósmico, ao esquecimento e ficamos na memória que é curta e só de algumas pessoas, e voltamos à diluição cósmica."

Então ao final da leitura Boff diz:

Boff - "Darcy, acho que é uma interpretação de quem vê de fora. É como você ver a borboleta, e ver o casulo. Você pode chorar pelo casulo que foi deixado para trás e ver que ele morreu. Mas você pode olhar a borboleta e dizer: "Não, ele libertou a borboleta, e ela é a esperança de vida que está dentro do casulo".

Boff continua - "Darcy, deixa te dizer como imagino tua chegada , o teu grande encontro. Não vai ser com Deus Pai porque para você Deus tem de ser Mãe, tem de ser mulher..." (risos)

Darcy - "Então vai ser uma Deusa"

Boff - "Imagino assim: que Deus, quando você chegar lá em cima, vai te dizer com os braços abertos: "Darcy, como você custou para chegar, eu estava com uma saudade louca de você, finalmente você veio, você não queria vir, você teve de vir e agora chegou." E te abraça, te afaga em seu seio, e te leva de abraço em abraço, de festa em festa"

Darcy - "De farra em farra..." (risos)

Boff - "Isso será pela eternidade afora"

Boff narra que nesse momento Darcy parou, olhou de lado, como que o interrogando e disse:
Darcy - "Como gostaria que fosse verdade! Minha mãe morreu cheia de fé e morreu tranqüila, eu invejo você, que é um homem inteligente e de fé. Eu não tenho fé. Como gostaria que fosse verdade"

Boff conta que aí lhe correu uma lágrima e ele ficou silencioso, estremeceu e teve um acesso de diabetes, uma queda muito grande de pressão e tiveram de levá-lo.

Boff - "Darcy não se preocupe com a fé, porque Deus não se incomoda com a fé. pelos critérios de Jesus, quem tem amor tem tudo. Então quando agente chega na tarde da vida como você, que atendeu os famintos como você, crianças abandonadas como você, índios marginalizados como você; negros que você defendeu, as mulheres oprimidas, desde o neolítico ninguém louvou a mulher quanto você - quem fez isso ganha tudo, porque optou pelos últimos, por aqueles que estavam em necessidade. Quem fez isso tem o Reino, tem a eternidade, tem Deus. E você só fez isso."

Darcy respirou e disse: "Puxa, mas tem de ser verdade".

segunda-feira, 12 de março de 2012

DIGA NÃO A INTOLERÂNCIA AOS ATEUS


A primeira vez que li o filósofo francês Michel Onfray foi em um ensaio literário traduzido para o português no antigo Jornal do Brasil, quando este ainda era jornal de vanguarda no inicio dos anos 80. Mais de duas décadas depois me deparei com o filósofo na Bienal do Livro do Rio-Centro - «Traité d’Athéologie»-, de onde pude reafirmar todas minhas convicções a respeito das religiões. Abaixo, alguns trechos da magnífica obra de Onfray:



«porque Deus não morreu nem é perecível – contrariamente ao que dizem Nietzsche e Hine. Nem morto nem perecível ele é, porque não é mortal. Um ficção não morre, nem uma ilusão se trespassa, nem muito menos se vai refutar um conto infantil»

(…)

«Deus releva do bestiário mitológico, como milhares de outras criaturas repertoriadas nos dicionários com inúmeras entradas, desde Démeter até Dionísios»

(…)

«O silêncio de Deus convida à conversa da treta dos seus ministros que usam e abusam do epíteto: quem quer que não creia em Deus, torna-se logo um ateu. No pior dos homens, no imoralista, no detestado, no imundo e na incarnação do mal.
Difícil por isso dizer-se ateu…Quando se diz tal, é sempre na perspectiva insultuosa de uma autoridade preocupada em banir, e em marginalizar e condenar»

(…)

«(o primeiro verdadeiro ateu:) Agrada-se que esta genealogia filosófica proceda de um padre: Meslier, santo, herói e mártir da causa ateia…»


(…)

«o ensino da religião reintroduz o coelho na cartola: o que os padres não podem fazer abertamente, podem agora fazê-lo docemente, ao ensinar as fábulas do Antigo e Novo Testamento, as do Corão e dos Hadiths, sob pretexto de permitir os alunos aceder mais facilmente a Marc Chagall, à Divina Comédia e à Capela Sistina ou à música de Ziryab…»

(…)

«ensinar o ateísmo supõe uma arqueologia do sentimento religioso: o medo, a incapacidade de olhar a morte, a impossível consciência da incompletude e da finitude nos homens, a função e o motor que é a angústia existencial. A religião, esta criação ficcional, exige uma desmontagem em boa forma dos placebos ontológicos – como em filosofia se fala da bruxaria e da loucura para produzir uma definição da razão»

(…)

« A época parece ateia, mas somente aos olhos dos cristãos e dos crentes. De facto, ela é niilista.
Os padroeiros de ontem e da véspera têm todo o interesse em fazer passar o pior e a negatividade contemporânea por um produto do ateísmo»

(…)

«Três milénios testemunham dos primeiros textos até hoje: a afirmação de um Deus único, violento, invejoso, quezilento, intolerante, belicoso, que gerou mais ódio, sangue, mortos, brutalidade do que paz…»

(…)

«Que eu saiba nem os Papas, s Princípes, os Reis, os Califas, os Emires brilharam tanto na virtude como Moisés, Paulo, Mahomé brilharam na mortícinio, na venda de tabaco ou nas razzias»

(…)

«os teístas realizam inimagináveis contorções para justificar o mal à superfície do planeta, não deixando nunca de afirmar a existência de Deus a quem nada escapa. Os deístas são um pouco menos cegos, já os ateus parecem já bem mais lúcidos»

(…)

«A missa dominical nunca primou como momento de reflexão, de análise, de cultura e de saber difundido e trocado, e quanto ao catecismo, muito menos. O mesmo se passa nas outras religiões monoteístas. Quer nas orações junto do Muro das lamentações ou nas Cinco Ocasiões diárias dos muçulmanos ora-se, pratica-se as invocações, exerce-se a memória, mas nunca a inteligência»

(…)

«trata-se daqui para diante de conseguir aquilo que Deleuze chama de ateísmo tranquilo, a saber, um cuidado não tanto na negação estática ou de combate a Deus, mas num método dinâmico que desemboque numa proposição positiva destinada a construir após o combate»

(…)

« a superação deste ateísmo cristão – não muito ateu e ainda bastante cristão para meu gosto –permite encarar sem redundância de assim o nomear, um autêntico ateísmo ateu…Este quase que pleonasmo serve para significar uma negação de Deus em conjunto a uma negação de uma parte dos valores que daí resultam, mas ainda(…) para colocar a moral e a política noutras bases que não sejam niilistas, mas pós-cristãs»

(…)

«desconstruir os monoteísmos, desmistificar o judaico-cristianismo – mas também o Islão – para depois desmontar a teocracia , eis as três tarefas inaugurais da ateologia.
Trabalhar em seguida para uma nova ética e criar as condições de uma verdadeira moral pós-cristã, onde o corpo deixe de ser uma punição, a terra um vale de lágrimas, a vida uma catástrofe, o prazer um pecado, as mulheres uma maldição, a inteligência uma presunção, e a vontade uma danação»

(…)

«não se mata um sonho, nem se assassina um subterfúgio. Serão antes estes que nos matam, pois Deus empurra para a morte tudo o que lhe resiste. Em primeiro lugar a razão, depois a inteligência e o espírito crítico»


Citações retiradas do livro de Michel Onfray, «Tratado de ateologia».

quinta-feira, 8 de março de 2012

NO DIA INTERNACIONAL DA MULHER, A HOMENAGEM DE CHICO BUARQUE A TODAS MULHERES



Mulheres de Atenas
Chico Buarque

Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Vivem pros seus maridos
Orgulho e raça de Atenas

Quando amadas, se perfumam
Se banham com leite, se arrumam
Suas melenas
Quando fustigadas não choram
Se ajoelham, pedem imploram
Mais duras penas; cadenas

Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Sofrem pros seus maridos
Poder e força de Atenas

Quando eles embarcam soldados
Elas tecem longos bordados
Mil quarentenas
E quando eles voltam, sedentos
Querem arrancar, violentos
Carícias plenas, obscenas

Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Despem-se pros maridos
Bravos guerreiros de Atenas

Quando eles se entopem de vinho
Costumam buscar um carinho
De outras falenas
Mas no fim da noite, aos pedaços
Quase sempre voltam pros braços
De suas pequenas, Helenas

Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas:
Geram pros seus maridos,
Os novos filhos de Atenas.

Elas não têm gosto ou vontade,
Nem defeito, nem qualidade;
Têm medo apenas.
Não tem sonhos, só tem presságios.
O seu homem, mares, naufrágios...
Lindas sirenas, morenas.

Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Temem por seus maridos
Heróis e amantes de Atenas

As jovens viúvas marcadas
E as gestantes abandonadas
Não fazem cenas
Vestem-se de negro, se encolhem
Se conformam e se recolhem
Às suas novenas
Serenas

Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Secam por seus maridos
Orgulho e raça de Atenas

segunda-feira, 5 de março de 2012

A DINÂMICA INTELIGÊNCIA DO BEM



Leonardo Boff



Tempos de crise sistêmica como os nossos favorecem uma revisão de conceitos e a coragem para projetar outros mundos possíveis que realizem o que Paulo Freire chamava de o “inédito viável”.

É notório que o sistema capitalista imperante no mundo é consumista, visceralmente egoísta e depredador da natureza. Está levando toda a humanidade a um impasse pois criou uma dupla injustiça: a ecológica por ter devastado a natureza e outra social por ter gerado imensa desigualdade social. Simplificando, mas nem tanto, poderíamos dizer que a humanidade se divide entre aquelas minorias que comem à tripa forra e aquelas maiorias que se alimentam insuficientemente. Se agora quiséssemos universalizar o tipo de consumo dos países ricos para toda a humanidade, necessitaríamos, pelo menos, de três Terras, iguais a atual.

Este sistema pretendeu encontrar sua base científica na pesquisa do zoólogo britânico Richard Dawkins que há trinta e seis anos escreveu seu famoso O gene egoísta (1976). A nova biologia genética mostrou, entretanto, que esse gene egoísta é ilusório, pois os genes não existem isolados, mas constituem um sistema de interdependências, formando o genoma humano que obedece a três princípios básicos da biologia: a cooperação, a comunicação e a criatividade. Portanto, o contrário do gene egoísta. Isso o demonstraram nomes notáveis da nova biologia como a prêmio Nobel Barbara McClintock, J. Bauer, C. Woese e outros. Bauer denunciou que a teoria do gene egoísta de Dawkins “não se funda em nenhum dado empírico”. Pior, “serviu de correlato biopsicológico para legitimar a ordem econômica anglo-norteamericana” individualista e imperial (Das kooperative Gen, 2008, p.153).

Disto se deriva que se quisermos atingir um modo de vida sustentável e justo para todos os povos, aqueles que consomem muito devem reduzir drasticamente seus níveis de consumo. Isso não se alcançará sem forte cooperação, solidariedade e uma clara autolimitação.

Detenhamo-nos nesta última, a autolimitação, pois é uma das mais difíceis de ser alcançada devido à predominância do consumismo, difundido em todas as classes sociais. A autolimitação implica numa renúncia necessária para poupar a Mãe Terra, para tutelar os interesses coletivos e para promover uma cultura da simplicidade voluntária. Não se trata de não consumir, mas de consumir de forma sóbria, solidária e responsável face aos nossos semelhantes, a toda a comunidade de vida e às gerações futuras que devem ter o direito de também consumir.

A limitação é, ademais, um princípio cosmológico e ecológico. O universo se desenvolve a partir de duas forças que sempre se autolimitam: as forças de expansão e as forças de contração. Sem esse limite interno, a criatividade cessaria e seríamos esmagados pela contração. Na natureza funciona o mesmo princípio. As bactérias, por exemplo, se não se limitassem entre si e se uma delas perdesse os limites, em bem pouco tempo, ocuparia todo o planeta, desequilibrando a biosfera. Os ecossistemas garantem sua sustentabilidade pela limitação dos seres entre si, permitindo que todos possam coexistir.

Ora, para sairmos da atual crise precisamos mais que tudo reforçar a cooperação de todos com todos, a comunicação entre todas as culturas e grande criatividade para delinearmos um novo paradigma de civilização. Há que darmos um adeus definitivo ao individualismo que inflacionou o “ego” em detrimento do “nós” que inclui não apenas os seres humanos mas toda a comunidade de vida, a Terra e o próprio universo.




Leonardo Boff é autor de Preservar a Terra-cuidar da Vida. Como evitar o fim do mundo, Record, RJ 2011.